Uma consequência trágica
Infelizmente hoje, dado o sistema que a gente vive, um trabalho tem função de meio e não de fim.
Dado que a classe trabalhadora
como um todo, desde o CEO até o peão do chão a fábrica são membros de uma
classe explorada pela burguesia, eles estão inseridos em uma lógica
individualista, competitiva e de medo.
O medo do CEO é perder o status,
o poder e o dinheiro para mostrar para os parentes que ele é o mais bem
sucedido. Que ele é o maioral.
O medo do peão de fábrica é
perder a comida no prato. No seu prato e no da sua família.
Ambos estão nessa lógica regidos
pelo medo.
Com isso, nossa relação com
trabalho se torna invariavelmente oportunista e o mercado de trabalho nada
difere do que é chamado hoje de “guerra de todos contra todos”. É o famoso,
antes eu do que você. Antes a sua mãe chorar do que a minha. Antes a sua filha
passar fome do que a minha. Afinal sabemos que existe um exército de reserva
criado propositalmente como elemento de ameaça para a classe trabalhadora. É o
famoso “se você não quer trabalhar para ganhar o mínimo, tem quem queira”.
A academia, nesse sentido, nasceu
na minha mente, como uma oportunidade de escapar dessa lógica predatória. Pode
ser uma oportunidade para ter uma vida mais preenchida de si e do próximo. Nasceu
na minha cabeça como um sonho puritano de saber e de educação limpo dessa
sujeita imposta pela realidade capitalista.
O problema disso tudo é
conceitual.
Não existe, nesse mundo material,
nada fora do sistema.
E a academia se lança cada vez
mais como elemento central desse sistema.
Sempre foi, mas agora com a
quantidade de escolas e universalidades privadas agudiza mais ainda essa
lógica. Afinal, o professor passou a ser funcionário e o aluno passou a ser
cliente. Agudiza porque a academia se tornou uma instituição subordinada ao mercado
de trabalho. O ensino é para formar competidores para o mercado de trabalho e
não humanos para uma vida humana.
E não se iluda, as entidades
públicas são, também, o mesmo elemento de subordinação. Mesmo em posição,
porém, infelizmente, acredito que nos últimos tempos têm se tornado piores em
submissão. E o porquê disso é muito simples: um projeto muito bem-sucedido de escassez
de recursos.
O professor ou pesquisador de instituições públicas se vê dentro de um sistema que o desvaloriza e isso é uma realidade imposta em termos de status, dinheiro e poder. Infelizmente, quase todos que vivem desse meio não vivem desse meio. Seja o aluno bolsista que vai precisar fazer infinitos bicos para conseguir sobreviver; seja o professor que passou décadas estudando e hoje se vê ganhando menos que seus alunos recém formados que optam pelo mercado financeiro. O projeto de escassez abrange a todos e com isso, o elemento central de regências desse sistema se faz presente novamente neste texto: o medo.
E infelizmente, vê-se essa lógica
predatória sendo instaurada cada vez mais em todos os entes ali presentes. E,
infelizmente, de maneira mais agudizada ainda.
Com isso, a ilusão pretendida
pelo mundo acadêmico como um local de fins e não de meios cai por terra.
Com isso, todos que ali estão,
estão na medida que o CEO e o peão também ali estão.
Com isso, infelizmente, todo e
qualquer trabalho pretendido neste sistema é um trabalho pretendido neste
sistema. É um trabalho condicionado à lógica de exploração do homem pelo homem.
Escrevo este texto decepcionado.
Escrevo esse texto porque sou um
desiludido com o mundo acadêmico.
Escrevo esse texto dizendo:
infelizmente, enquanto esse sistema capitalista reger as estruturas da nossa
sociedade, todos os trabalhos estarão sujeitos a essa lógica individualista,
predatória e competitiva. Infelizmente a guerra de todos contra todos se faz
presente em todas as instâncias da nossa sociedade.
Infelizmente se eu quiser comer,
eu vou ter que me submeter a isso. Infelizmente o trabalho, ao longo da minha
vida, vai servir como meio para. Ou seja, é e sempre será um trabalho escravo,
do CEO ao peão.
Felizmente, acredito que podemos
mudar isso, transformar isso, melhorar isso. Entretanto, para isso, vou de Marx
a São Francisco.
“Senhor, dai-me força para
mudar o que pode ser mudado...
Resignação para aceitar o que
não pode ser mudado...
E sabedoria para distinguir
uma coisa da outra.”
Mudar o que pode ser mudado: você.
Em primeira, e em última instância. O entorno vem como consequência. E
infelizmente, como consequência trágica.
Ser um elemento central de auxílio ao próximo à percepção da realidade material que a circula consiste, em primeira
instância, em dor.
Compreender as relações sociais
que estamos inseridos, é compreender as relações de exploração do homem pelo
homem. E fatalmente, é como bater de cara na parede; fatalmente irá doer. O que
é duro de se pensar, afinal ajudar consiste em gerar sofrimento.
O que faz sentido de se pensar no
conceito que os cabalistas falam de que a luz revela nossas sombras e com isso
perceber a realidade é um processo dolorido.
Sendo assim, é importante compreender que o que não pode ser mudado é o
outro. Ele pode apenas ser ajudado.
A revolução não vai acontecer
enquanto ainda estivermos imersos em uma sociedade infantil que teme em se
defrontar com a realidade porque a realidade dói. A revolução não vai acontecer
enquanto as pessoas não estiverem dispostas a lidar com suas sombras. A
revolução precisa ser entendida como um processo que começa em primeira
instância dentro de nós e em segunda instância como uma ajuda aos entornos de
nós.
Concluo esse texto desiludido e
ainda bem.
Concluo esse texto entendendo não
existe escapatória em nenhuma entidade desse sistema.
Concluo esse texto com a infeliz
paciência em perceber que o trabalho nesta vida será sempre um meio, mas com a
feliz paciência em perceber que a mudança se dá em mim e no meu entorno como
consequência.
Concluo esse texto pedindo
sabedoria.
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